Um Homem com H. Do Brasil. No Canecão.
Hoje é aniversário dele. Essa foto eu fiz no Canecão, no Rio.
Bem de pertinho.Explica o Brasil, Ney.
Isso de adorar um artista, querer ver, admirar, sentir sua voz com emoção.
E, por falso moralismo, imposto, de fora pra dentro, fingir que não gosta.
Homofobia.
Ética é universalizar coerência, pra não tentar mudar ao sabor do vento.
Moral é determinada. É de propósito. A falsa moral é a pior de todas.
Mentir não é tão ruim quanto ser hipócrita. Tentar mentir-se pra si mesmo.
Assim como isso de que ser covarde é muito pior de ter simplesmente o medo que todos temos, mas sem esconder. Todo covarde é hipócrita.
Quanto mais corajoso e valente, melhor o artista.
Isso sempre foi o Brasil. O país de Ney.
Fingiu, todo um país (a maioria do povo), durante décadas, que não era assim: retrógrado, conservador. Machista ao extremo.
Conseguiu enganar muita gente. A mim, esse Brasil nunca enganou.
É um orgulho bom que eu tenho.
Até que, como se fosse do nada, aparece um expressivo fascista que sai do seu armário. Admite e agride publicamente. De vez em quando. Ontem, Collor; hoje, Jair.
Daí o país pensa que se assusta. Como se houvesse esquecido que, no fundo, sempre foi (fomos) assim.
Então vem esse filme, Com H, e o disco dele, Matogrosso, que lá no apartamento de praia alugado pela minha tia, não parava de tocar. E volta aquele tempo bom, com tudo ao coração.
E a imagem do meu primo (faleceu mês passado, de câncer, era policial civil), pano de prato na cabeça, botava batom e cantava em pé na cama, imitando Ney.
Pouca gente sabe que eu tentei ser fotógrafo profissional. Mais pra entrar de graça em show, com minha câmera fajutíssima e uma cara-dura que até me surpreendia. Em cima do palco, ali no Backstage, até consegui ganhar algum dinheiro, ao mesmo tempo em que fazia minha vida valer melhor. Chico Science, Chico César, Cátia de França... Ney. Alceu, Alceu, Alceu...
Foi assim, no Canecão. Essa foto analógica que eu arrasto aonde vou. Com Ney.
O ator que o interpreta naquele filme, Jesuíta Barbosa, magnífico, é pernambucano como eu. De Salgueiro, no Sertão. Estudou teatro. Não nega chamado pra atuar.
Em Salgueiro, sua cidade natal, tem um dos Quilombos (Conceição das Crioulas) que lideraram a luta nacional pelo reconhecimento e políticas públicas de reparação histórica, o que eu mais desejo, hoje mesmo, pro Brasil. Fui lá estudar, pela universidade, pra tentar contribuir com um laudo antropológico. Coisa besta de acadêmico pra referendar cientificamente o que o povo já sabe, faz tempo. Acabamos aprendendo mais do que tudo.
O mais forte de todo o Quilombo era a escola comunitária. Onde um dia “de descanso” me chamaram pra “fazer teatro”, interpretando branco latifundiário. Claro.
Lembro que a peça teatral acabava com uma música que alguém colocou num reprodutor de Fita Cassete.
Era Ney Matogrosso, no Sertão, em Salgueiro, em Conceição, interpretando poema de Solano Trindade: “Tem gente com fome”. Um genial poeta negro pernambucano.
Tenho uma foto daquela escola, com uma frase pintada na porta: Bem-vindo a este hospício; aqui somos loucos, uns pelos outros.
Jurei mentiras. Assumo os pecados. Quebrei a lança. Ai, os ventos do norte. Meu sangue latino.
Viva Ney. Viva Salgueiro. Viva Conceição, Jesuíta, Givânia, Inaldete...
Aquele abraço.
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